Entrevista Maria Clara Escobar (por Laís Natalino)

Maria Clara Escobar é realizadora, guionista e poetisa. Ela escreveu e dirigiu “Os dias com ele” (2012), longa-metragem documental sobre seu pai, Carlos Henrique Escobar, filósofo, professor e dramaturgo que tem uma história marcada pela repressão sofrida durante a ditadura militar. O filme foi premiado em festivais como: Mostra de Tiradentes (Brasil), DocLisboa (Portugal), IBAFF (Festival Internacional de Cinema de Ibn Arabi) e Festival de Cinema de Habana (Cuba). Seu primeiro longa-metragem de ficção “Desterro” foi lançado em 2020 no Tiger Awards Competition, no 49º Festival Internacional de Cinema de Rotterdam e também em Viennale, Festival de Cinema de Taipei. Em 2019, Maria Clara publicou seu primeiro livro de poemas “Medo, Medo, Medo”.

Imagem: Filme “Os dias com ele”, Maria Clara Escobar (2012)

Entrevista concedida (em áudio) . Respostas recebidas em 1 de fevereiro de 2021.

Pergunta 1. Você poderia nos descrever como começou a sua trajetória/o seu percurso nas artes visuais e no cinema?

Maria Clara Escobar: Quando era criança, eu fui criada pela minha mãe, mãe solteira, então eu ficava muito tempo sozinha em casa e numa rua perto da minha casa tinha uma locadora onde eles deixavam eu ficar durante a tarde. E assim eu comecei a ver muito VHS, muito filme, e bem cedo eu fui criando essa relação, essa espécie de possibilidade de habitar outros mundos, de fuga, uma utopia, também, de outras formas de vivenciar a realidade. E isso eu acho que me formou, hoje eu vejo isso assim. Até hoje, quando eu vejo filmes, o sentimento muitas vezes é esse e talvez tenha desenvolvido em mim esse jeito paralelo, esse jeito concomitante em sentir e organizar racionalmente as coisas. Então, eu diria, hoje, que começou aí, mas pragmaticamente começou quando eu estudava no segundo grau, no ensino médio – como a gente acho que chama ainda – e uma amiga, na verdade uma amiga de uma amiga, ia se inscrever no novo curso de cinema da Escola Darcy Ribeiro, no Rio de Janeiro. Era o primeiro ano da escola, eles estavam ainda entendendo e formatando os cursos, eu era muito nova, eu tinha 16 anos ou 15, talvez. Essa minha amiga ia se inscrever, eu fui com ela e aí você podia fazer uma aula de teste e aí eu fiz. Foi uma aula de três horas, com Jorge Durán, um curso de roteiro. Eu acho que naquela época era o único que tinha, o primeiro, e a aula foi muito apaixonante, eu senti ali que se eu pudesse estar ali eu queria estar. E aí aconteceu uma sorte, na verdade, eles não me perguntaram minha idade – você tinha que ter 18 anos fazer o curso – ainda era tudo muito informal, muito inicial. E aí eu pedi, na época, para o meu avô, que tinha um pouco mais condições de pagar o curso, para pagar o curso, ele aceitou e muito rapidamente eu comecei a trabalhar como roteirista, dentro ainda desse contexto de escola, com um professor. Eu acho que através do trabalho eu acho que seja uma segunda etapa, foi assim que se iniciou profissionalmente. E desde muito cedo eu trabalhei, comecei através do roteiro, eu não achava que quisesse dirigir cinema. Eu achava chato que todo mundo acha que tem uma coisa muito importante, uma visão muito particular e importante e todo mundo quer dirigir, e não era meu desejo, então eu achei que eu queria ficar escrevendo e assim fiquei alguns anos, isso tudo no Rio de Janeiro, de onde eu sou. Bom eu só posso falar dessa área do cinema, porque eu nunca trabalhei em outra, até já trabalhei, mas não posso dizer que tenho uma carreira em outra área. Eu fiquei muito fixada como essa pessoa, eu trabalhava só para uma pessoa, trabalhava só com roteiro e aí eu resolvi me mudar para São Paulo, com 17 anos também, tudo bem cedo. Na verdade, eu larguei o ensino médio, não conclui naquela época, porque eu já estava trabalhando, eu já tinha dinheiro, o primeiro aparelho de DVD da minha casa quem comprou fui eu, esse tipo de coisa era coisa luxo. E foi assim meu início, fui para São Paulo na tentativa de me aproximar mais dos sets de filmagens, que na época era o único lugar em que era possível de você participar, filmar sem que você tivesse contato com as pessoas que sempre fizeram cinema no Rio de Janeiro, de famílias ou de gente de muito dinheiro. Tinha uma coisa mais jovem acontecendo em São Paulo naquele momento, que eu não precisaria escolher uma única função no cinema e ser estagiária e assistente, fazer esse caminho hierárquico. E aí eu fui para lá e lá em São Paulo fiquei. Acho que é isso meu início.

Pergunta 2. Como você descreve ou observa a posição da mulher nas artes e no cinema quando começou a trabalhar e nos dias atuais?

Maria Clara Escobar: Olha, eu acho que a minha perceção… como dizer isso? Eu sou uma mulher branca, então eu tive o privilégio de só perceber o que acontecia, os sistemas machistas, as questões sexistas, a sexualização da participação da mulher no contexto de cinema, bem mais tarde, porque eram e foram violências consideradas sutis na época que eu comecei. Eu comecei muito nova, mas eu acho que o que eu poderia dizer é que a participação da mulher era sempre – sinto que era e que às vezes ainda é – muito sexualizada através das relações com os homens ou como as pessoas acham “ah, essa mulher está nesse lugar por isso”, os casais, as relações familiares, uma mulher que é esposa de alguém e entra num certo contexto ou é filha de alguém e entra num certo contexto e sempre dentro do trabalho vista como um corpo sexualizado. Eu acho que, talvez por uma forma de sobrevivência, eu descobri bem cedo, eu tinha muito jogo de cintura de me relacionar, tenho amigos homens e tal. Eu não gosto muito da palavra feminino e masculino, eu acho que não é sobre isso, porque são conceitos polarizados. Mas eu tinha um certo jogo de cintura de habitar os universos masculinos. Hoje eu sei que eu era sexualizada, era vista como um corpo sexual, mas assim eu fui fazendo, eu fui conseguindo fazer. E a reflexão sobre o que já foi veio depois, com certeza, graças a todas as reflexões de outras mulheres e muitas mulheres não brancas, que não têm esse privilégio de passar de forma segura, transitar de forma segura por esse ambiente em que são sexualizadas, em que seus corpos são sexualizados, objetificados. Então é isso, ao longo do tempo, eu fui percebendo e me conscientizando sobre a minha própria história e como eu vejo hoje é de uma forma muito mais radical, eu acho que é fundamental. Nada que é automático é bom sabe? Não é espontâneo, não tem a ver com espontaneidade, tem a ver com automatismo. Então, os sets serem todos brancos é um problema que tem que ser combatido, um automatismo que tem que ser combatido. Os sets serem masculinos é um problema que tem que ser combatido. Hoje em dia se eu olho para uma ficha técnica e só tem homens, para mim é uma coisa que eu acho um problema, sabe? Porque quer dizer que as pessoas estão fazendo aquele filme, muito provavelmente habitam um espaço de mundo, uma visão de mundo que não me interessa, não interessa mais. Talvez seja justo eu dizer “mais” porque durante algum tempo da minha vida eu não percebi isso, eu tive o privilégio de não perceber. Então, eu acho que os corpos das mulheres são muito sexualizadas até hoje, dentro de um contexto de cinema, quando elas conseguem entrar. Mas obviamente estou na construção da conscientização disso, na tentativa de que o dinheiro chegue às mulheres. A todas as mulheres, as mulheres não brancas, as mulheres mães que não conseguem trabalhar, enfim, as mulheres trans, todas mulheres.  Mas eu acho que tem isso, ainda é um lugar maioritariamente e com uma lógica estrutural de trabalho muito patriarcal, heteronormativa, branca e tal. Porque não é só sobre as mulheres estarem lá, não é só “então agora esse set tem oito mulheres e elas são sexualizadas, são tratadas sem respeito, são diminuídas ou vivem um lugar de desconfiança nos seus trabalhos” é uma coisa que tem que mudar. A estrutura está mudando essa participação, é assim eu vejo.

Pergunta 3. Pode nos contar um pouco sobre o processo de idealização e montagem do filme Os dias com ele e nos dizer quais foram as suas motivações pessoais e enquanto artista para sua realização?

Maria Clara Escobar: Qualquer pessoa que veja mais de uma entrevista minha, vai ver eu me repetir um pouco nesse tema, porque eu não vejo os projetos dos filmes nascerem de uma forma que a emoção está separada da ideia, ou seja, que o desejo está separado da estratégia, entende? Eu acho que isso nasce junto. E é importante desenvolver uma estratégia para realizar esse projeto, especialmente sendo mulher, porque sua estratégia tem que ser boa, mas é importante manter algum mistério sobre o início disso, sabe?  Então em Os dias com ele, de fato, o que aconteceu foi que, no momento, eu estava pensando muito sobre a questão dos limites entre o privado e o público. O que é considerado memória, o que é a nossa história. E o que eu, naquele momento, talvez não tivesse tão claro como eu tenho hoje, mas como eu acho que a estrutura familiar – de novo, classe média, classe alta, católica, branca, heteronormativa, heterossexual, si género –  ela é uma chave para a nossa estrutura. Como esse modelo é um modelo subjetivo, é um modelo de desejo, é um modelo de projeto de mundo, é o modelo, portanto, excludente. É um modelo que para mim tem a chave da nossa sociedade. Então, isso tudo estava em mim, foram pensamentos que eu fui aclarando ao longo dos tempos. E eu acho que esses lugares de encontro dessas coisas que a gente não sabe nomear me interessam e sempre me interessaram, justamente por tudo isso que eu estou falando. Então, eu tinha muito interesse em tentar, naquele momento, tentar entender, conseguir entender o que é a tortura. E foi uma jornada longa até entender que é impossível entender, que não é esse tipo de tentativa, enfim, as armadilhas que a gente vai caindo, as nossas próprias armadilhas. Então, na verdade foi isso, minha motivação pessoal foi fazer um filme sobre isso, acreditando muito que é importante a gente falar sobre os nossos conflitos, nossas dores, nossas questões e que é preciso relativizar uma certa importância dada a uma suposta história académica, aos limites que transformam os conceitos em polares. Então, acho que essas são as motivações reais. E no âmbito pessoal, de tentar construir um pouco uma compreensão sobre mim. Eu tinha uma intuição de que era importante entender esse lugar, desse choque político, de violência pessoal que fazia parte da minha história, então acho que são essas as motivações. Pode ser que a cada vez que eu fale sobre isso, isso mude um pouco, porque a gente vai refletindo sobre nossa vida e vai ganhando mais informações. A partir do momento que a gente vai agindo mais, as ações vão passando e vão reconfigurando um pouco certas compreensões. Eu acabei não falando da montagem, mas eu acho que não mudou, é isso que eu falei em relação à montagem também.

Pergunta 4. Quais foram as suas perceções quanto à receção do filme?

Maria Clara Escobar: Eu acho que a receção das coisas que a gente faz é sempre um mistério para mim. Porque eu acho que é importante a gente manter e dar importância receção do que a gente faz, mas de alguma forma não dar importância, ao mesmo tempo sabe? Foi meu primeiro longa-metragem, que eu fiz muito sinceramente, o tempo todo. Muitas consciências sobre mecanismos do cinema, no sentido de reconhecimento, os jogos que acontecem nos financiamentos, nas produções, nas pessoas, na vida social do cinema, nos festivais, eu não tinha nenhum desses conhecimentos e eu acho que isso foi bom, porque nada disso passou pela minha cabeça. Então, foi uma decisão nossa, minha e da produtora Paula Pripas, de estrear o filme no Brasil, de não ficar esperando festival internacional, estrear no Brasil e estrear na Mostra de Tiradentes. Naquele momento, que nos parecia o festival que estava em ebulição do melhor, da busca por um cinema nosso, um cinema brasileiro, um cinema não só nacionalista, mas um CINEMA, um cinema que não seja aquele cinema no qual a gente fica se referindo nas escolas de cinema, que não seja o cinema já “academicizado” – não sei se existe essa palavra – um cinema vivo. Então, a gente fez essa opção estratégica e foi muito bom, porque a gente, enfim, ganhou todos os prémios, quase todos, ganhamos muitos prémios, enfim, e muitas pessoas vieram falar com a gente, teve muita identificação. E quem não gosta do filme – o que é uma tristeza no Brasil – não vem falar com você. Parece uma coisa de time de futebol. É um país muito avesso ao conflito amoroso, no sentido de que as retóricas, os debates, as brigas elas são parte de um processo, e não o desfecho dos processos. Muita gente que eu cheguei a saber que reagiu mal ao filme tinha uma visão de cinema, de documentário muito diferente mesmo da que o busco e estou buscando, que é essa mesmo, que é acreditar, lutar para mostrar que estética nunca foi separada de discurso. Desde o primeiro momento que alguém, um dono de fábrica, colocou uma câmara e filmou os seus operários, seus funcionários, estava ali colocada, junto, a questão estética e discursiva. Então, eu acho que as minhas perceções quanto à receção do filme foram, primeiro, de um lado, me ajudaram muito a seguir fazendo cinema, porque, de novo, quando você é mulher, muito dificilmente você vai ser super-segura de tudo, porque você está sempre sendo colocada em questão e aprende desde que nasceu a se colocar em questão, sobre se o que você fala é válido, qual a sua importância, se você está certa, se você pode errar, se você é o quê. Então, eu não estou dizendo que as mulheres são inseguras, não é isso, mas é muito difícil você não visitar essas fantasias constantemente, então aquilo me deu uma força muito grande, porque eu fiz o filme acreditando no cinema que eu acredito, o cinema que hoje eu milito por. E por um outro lado, essa total consciência de que o Brasil ainda é muito prosaico na sua compreensão do que é estética, discurso, mensagem, o que é política. Para mim parece que a gente está 500 milhões de anos atrás de onde a gente poderia estar se se esforçasse mais, talvez.

Pergunta 5. O que considera que ainda está por ser contado no que diz respeito às mulheres artistas realizadoras na época da ditadura e aquelas que abordam essa temática atualmente?

Maria Clara Escobar: Ainda bem que eu não sei responder essa pergunta porque só elas poderão dizer, acho que só essas mulheres artistas, realizadoras etc. na época da ditadura e aquelas que abordam esse tema, só elas podem dizer. Eu espero que elas possam dizer com a linguagem delas, com as sensações delas, construir as atmosferas delas, e não essa atmosfera, enfim, não serem pressionadas a fazer um discurso considerado limpo e claro, porque eu acredito que não é sobre isso. Mas também quem quiser fazer, que faça. O que é importante é que elas façam. Eu acho que é isso. E que a gente normalize falar sobre a ditadura, que seja normal, porque tem muita gente que participou da ditadura, muitas famílias vivas, ainda vivendo esse tema. E é algo que faz parte da nossa história. Então, não tem nenhum sentido, senão o de proteger quem assassinou, torturou e defendeu a ditadura, não há nenhuma razão, senão a de apoiar e ser cúmplice de quem colaborou e defendeu e assassinou e torturou na ditadura, para a gente, além dessa razão não há outra, para a gente não falar sobre isso, porque isso faz parte da nossa história recente, antes que ela fique distante, eu acho que isso é importante.

Pergunta 6. Como e de que forma você acha que as questões relacionadas à ditadura vêm sendo discutidas e debatidas nas artes e em outros contextos no Brasil?

Maria Clara Escobar: Eu acho que as questões relacionadas à ditadura vem sido discutidas e debatidas de forma muito elementar demais, muito simples, muito nessa visão de quem fala sobre isso é a história oficial, sem uma reflexão de que a história oficial é sempre um ponto de vista e já sabemos de quem é o ponto de vista. Então, de forma muito pouco dialética, de forma muito pouco consciente, é isso que eu acho. Ao mesmo tempo, é melhor que ela aconteça como vem acontecendo, do que não acontecer, como desde a entrada do Bolsonaro é o que se defende. “Esqueçam isso, isso não existiu, isso não é importante” ou voltar a chamar de “Revolução de 64”, coisas patéticas e absurdas que a gente está tendo que viver no Brasil desde 2018. Mas tentando desconsiderar isso, esse absurdo histórico que a gente está vivendo com a presidência do Bolsonaro, eu acho que ainda de forma muito simplista as questões relacionadas à ditadura estão sendo discutidas, sinceramente. E que há uma resistência muito grande de se discutir as perceções do que aconteceu na ditadura, como a ditadura terminou, os acordos que foram feitos, as sensações, as famílias, tudo que esse momento histórico tão importante redefiniu e é como se a gente negasse que redefiniu, como se a história fosse só um acontecimento que houve e a história continuou linear. E não é possível que a gente veja assim o mundo. Essa é minha opinião pessoal.

Pergunta 7. Como e de que forma você vê que o meio digital (redes sociais, blogs, plataforma streaming) podem ou não contribuir para esses debates?

Maria Clara Escobar: Eu acho que o meio digital pode contribuir, no sentido de que pode dar amplitude, você pode fazer um arquivo de depoimentos, de famílias, de pessoas, um arquivo da ditadura militar de 64, por ano. Você cataloga, por ano, e tem depoimentos de pessoas que participaram, sobreviventes, famílias de sobreviventes, você pode catalogar todos os filmes que foram feitos. Falta uma organização desse arquivo e talvez, se a gente levasse a sério o que são os depoimentos pessoais e considera-los como arquivo histórico importantíssimo, esse tipo de catalogação já tivesse sendo feito. Os depoimentos pessoais serem vistos como algo de interesse público, estatal e histórico. Mas, enfim, as pessoas podem divulgar mais as coisas, talvez. Mas, de qualquer forma, para você fazer isso você precisa de políticas públicas, precisa de incentivo, precisa alguém faça isso, alguém faça a pesquisa, alguém documente, alguém pague o site, entende? Então é isso que eu vejo como possibilidade, mas também eu não sei como fazer na atual conjuntura.

Pergunta 8. Que papel poderá ter a arte numa altura em que regime de tendência autoritária se instalam e em que partidos extremistas ganham cada vez mais terreno em várias partes do mundo?

Maria Clara Escobar:  Olha, qual o papel pode ter a arte, qual papel político pode ter a arte em qualquer momento da história é a pergunta que vale um milhão de dólares. Porque muito da arte que vem sendo feita desde o dia zero, que se considera arte, ela é violenta, ela é excludente, ela cataloga, ela congela, ela prende, ela fixa. Então, eu acho que essa resposta, sempre que alguém perguntar isso, é algo muito complexo de se conseguir definir e algo que tem que estar sempre em mudança. A partir do momento que a gente estagnar uma compreensão sobre a área, está errado, tem que estar em movimentação, tem que estar dando rasteira nos nossos imaginários, nos nossos conceitos. É isso que eu acho. E quando eu tenho que responder algo assim, muito objetivo, que nem isso que você me pergunta, eu não quero parecer pessimista, mas eu acho que o papel mais importante que a gente tem é de deixar registros – e por registro eu não digo documentar de formar higiénica – deixar registros das sensações, do que aconteceu, do que nós vemos e vivemos, de que somos testemunhas de que mundo a gente estava tentando construir. Para que a história, no futuro, não seja só a versão deles, nem só uma versão, nem só duas, nem só três, nem só quatro. Acho que a gente tem essa possibilidade e talvez dever – não quero parecer muito épica, porque também não é isso, mas a sua pergunta é meio épica, grega – eu acho que a gente tem como deixar imagens para o futuro que, no mínimo, vão abrir portas para que as pessoas do futuro façam outras imagens, as imagens delas, e não percam tanto tempo, como a gente perde, tentando reconstruir ou construir um caminho para imagens e sensações que nos foram tiradas, negadas, desaparecidas.